Em criança ficava muito tempo com
o meu avô na loja das quatro esquinas, cruzamento das ruas Sacadura Cabral e
Gago Coutinho na vila de Santar. Meu
playground foi uma taberna. Imaginem seus frequentadores! Gente adulta e idosa,
simples e trabalhadora com a pele curtida no árduo labor do campo .
Minha mãe era o braço direito do
pai e mais tarde o sucedeu, tinha jeito para atender os fregueses, os “especiais”
de caderneta. Sempre teve bom coração, gostava de ajudar pessoas em dificuldade.
Os dias sucediam-se difíceis, para quê ir buscar mais preocupações pertinentes
aos outros? Talvez por isto, na pequena vila todos se ajudavam e opinavam na
vida de cada um como se da família fossem, era assim porque o subconsciente
coletivo unia as suas vidas, uma forma de sobreviverem às dificuldades daquele
tempo. Por instinto agiam como alguns animais na savana e cardumes de peixes ou
bandos de aves que, ao primeiro sinal de
ataque de seus inimigos, se agrupam para poderem ter chance de sobreviver.
As noticias tristes corriam a
galope com grande comoção. Quem não viveu essa época não sabe o que é passar
por necessidades. Tostões valiosos para quem era mal remunerado, por um período
de sol a sol, compravam poucas gramas de itens essenciais para a alimentação:
sal, café de cevada e açúcar amarelo e pouco mais.
Posso recordar as propriedades bem
cuidadas como jardins, a troco de muito trabalho braçal e perseverança, com
minguada remuneração.
Para sobreviverem, realizavam
milagres nunca a si atribuídos, nem mesmo os donos da terra tinham noção que as
calosas mãos, que eles desprezavam, afagavam a terra que garantia seu rico
patrimônio e seu bem estar. Eram mãos
milagrosas.
O futuro estava na terra
amanhada, nas sementes plantadas e, com muita devoção, cuidadas. Era uma
sobrevivência nativa! O Estado funcionava para impor as leis e cobrar impostos,
não existia o estado social. Muitos direitos e poucos deveres com o povo. Como
gado domesticado, as pessoas eram forçadas ao trabalho pesado no campo. Assisti
poços serem esvaziados com balde de madeira ligado ao engenho (picota), durante
várias horas seguidas para a rega das plantações. A terra era cavada em mantas
profundas para enterrar a erva daninha (galracho), não existiam ainda venenos
para matar a natureza, os terríveis pesticidas. Nas vinhas, as videiras eram cuidadas com mais
empenho do que a saúde de quem delas tratava.
Grande é o homem do campo e seus
descendentes e justos aqueles que se orgulham em reconhecer o valor de seus
antepassados.
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