sábado, 5 de janeiro de 2013

Filhos da terra


Em criança ficava muito tempo com o meu avô na loja das quatro esquinas, cruzamento das ruas Sacadura Cabral e Gago Coutinho na vila de Santar.  Meu playground foi uma taberna. Imaginem seus frequentadores! Gente adulta e idosa, simples e trabalhadora com a pele curtida  no árduo labor do campo . 
Minha mãe era o braço direito do pai e mais tarde o sucedeu, tinha jeito para atender os fregueses, os “especiais” de caderneta. Sempre teve bom coração, gostava de ajudar pessoas em dificuldade. Os dias sucediam-se difíceis, para quê ir buscar mais preocupações pertinentes aos outros? Talvez por isto, na pequena vila todos se ajudavam e opinavam na vida de cada um como se da família fossem, era assim porque o subconsciente coletivo unia as suas vidas, uma forma de sobreviverem às dificuldades daquele tempo. Por instinto agiam como alguns animais na savana e cardumes de peixes ou bandos de aves  que, ao primeiro sinal de ataque de seus inimigos, se agrupam para poderem ter chance de sobreviver.
As noticias tristes corriam a galope com grande comoção. Quem não viveu essa época não sabe o que é passar por necessidades. Tostões valiosos para quem era mal remunerado, por um período de sol a sol, compravam poucas gramas de itens essenciais para a alimentação: sal, café de cevada e açúcar amarelo e pouco mais. 
Posso recordar as propriedades bem cuidadas como jardins, a troco de muito trabalho braçal e perseverança, com minguada remuneração.
Para sobreviverem, realizavam milagres nunca a si atribuídos, nem mesmo os donos da terra tinham noção que as calosas mãos, que eles desprezavam, afagavam a terra que garantia seu rico patrimônio e seu bem estar.  Eram mãos milagrosas.
O futuro estava na terra amanhada, nas sementes plantadas e, com muita devoção, cuidadas. Era uma sobrevivência nativa! O Estado funcionava para impor as leis e cobrar impostos, não existia o estado social. Muitos direitos e poucos deveres com o povo. Como gado domesticado, as pessoas eram forçadas ao trabalho pesado no campo. Assisti poços serem esvaziados com balde de madeira ligado ao engenho (picota), durante várias horas seguidas para a rega das plantações. A terra era cavada em mantas profundas para enterrar a erva daninha (galracho), não existiam ainda venenos para matar a natureza, os terríveis pesticidas.  Nas vinhas, as videiras eram cuidadas com mais empenho do que a saúde de quem delas tratava.
Grande é o homem do campo e seus descendentes e justos aqueles que se orgulham em reconhecer o valor de seus antepassados.                

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