quinta-feira, 12 de abril de 2012

Reminiscências


Anos 60, a minha geração no mundo mandava brasa, a contestação era geral: os Beatles, maio de 68, a droga à solta, a liberdade sexual, Woodstock, com os hippies bradando pela liberdade total, em todos os níveis e eu policiado, silenciado, escravo do sistema discriminador e autoritário. Aguardava na fila de mobilizados, ano após ano, o meu dia chegar, com os cabelos compridos e as calças à boca de sino, que rapidinho não mais poderia usar. Sem poder piar, face às estórias de horror contadas dos retornados da guerra do ultramar, fotos por eles trazidas mostravam peitos arrancados por balas de ponta cerrada, criancinhas em estacas espetadas, corpos que agonizavam pelos cortes das catanas. Nessa guerra, eu imaginava não existir tempo para pensar. No campo dos horrores, o instinto era o ordenador, o homem era um maquiavélico zumbi, matador implacável e nisso tinha prazer. Como sentir-me humano, pois o presente não tinha futuro, o destino estava traçado pelos ideais do ditador, a minha vez estava para chegar. Cumpri o serviço militar, obrigatório, no continente, foram três anos, uma eternidade! Eu não sabia que seria poupado de ir à guerra. Nesse chocante contraste, saber que liberdade existia, embora fora do meu alcance, penei até chegar o dia de emigrar.

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